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Nota Oficial: Educação de Surdos na Meta 4 do PNE

MOVIMENTOS E ENTIDADES REPRESENTATIVAS DOS SURDOS BRASILEIROS SÃO CONTRA AS ALTERAÇÕES NO TEXTO DA META 4 DO PNE (PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO) FEITAS PELO SENADOR VITAL DO RÊGO. NÃO HOUVE NENHUM CONSENSO POR PARTE DESSAS ENTIDADES.

A Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – Feneis, entidade brasileira de maior representação dos surdos e das comunidades surdas do Brasil, é membro ativo da World Federation of the Deaf, instituição que, por sua vez, é membro da International Disability Alliance – IDA, que visa a promoção da plena implementação da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em todo o mundo, bem como o cumprimento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD ou CRPD).

A Feneis, legitimada por sua história de luta em favor dos surdos brasileiros e pelos vínculos institucionais apresentados, juntamente com a CBDS (Confederação Brasileira de Desportos Surdos) e o Movimento Surdo em Favor da Educação e Cultura Surda, comunicam à Presidência da República, ao Ministro da Educação, à Ministra da Casa Civil, à Ministra dos Direitos Humanos, aos Senadores, aos Deputados Federais e demais autoridades do País, à imprensa, e ao povo brasileiro em geral, que NÃO CONCORDA com a proposta do MEC, qualificada de consensual (sem o ser, pois a Feneis dela não participou), apresentada no dia 18 de setembro de 2013 ao SENADO para a META 4 do PNE – Plano Nacional da Educação, em tramitação no Congresso Nacional, a propósito do relatório sobre o PNE apresentado pelo Senador Relator Vital do Rêgo, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

O MEC tem usado o discurso de que chegou a um consenso com as entidades representativas sobre um novo texto para a estratégia 4.6, que é a que trata da educação dos surdos, no entanto, nós, a Feneis juntamente com CBDS, maiores entidades representativas dos surdos no País, temos sido silenciados e nossos argumentos têm sido desconsiderados na construção do texto do PNE no Senado.

Afirmamos que nenhum outro segmento de deficiência e ou gestores e autoridades públicas podem nos impor a educação que não foi decidida por nós. Reiteramos o lema da Convenção Internacional da Pessoa com Deficiência: “NADA SOBRE NÓS SEM NÓS”.

CONCLAMAMOS A SOCIEDADE A QUE NOS AJUDE NA LUTA PARA MANTER A REDAÇÃO DA ESTRATÉGIA 4.6 DA META 4 DO PNE COMO ESTÁ NO TEXTO ORIGINALMENTE CONCEBIDO NA CÃMARA DOS DEPUTADOS (o qual foi fruto já de muita luta e negociações)!

 O que está por trás desta disputa por palavras? O NOSSO DIREITO DE BUSCAR O TIPO DE EDUCAÇÃO QUE MAIS ADEQUADAMENTE ATENDE ÀS NOSSAS NECESSIDADES VISUAIS: AS  ESCOLAS E CLASSES BILÍNGUES ESPECÍFICAS PARA SURDOS. A luta do MEC pelas escolas inclusivas (escolas comuns que atendem todos os  tipos de pessoas com deficiência nas salas de aula regulares e com apoio nas salas de atendimento educacional especializado durante algumas horas por semana no contraturno) NÃO RESOLVE a nossa necessidade por um AMBIENTE LINGUÍSTICO NATURAL PARA A AQUISIÇÃO DE NOSSA LÍNGUA DE SINAIS!

Entendemos que escolas e classes bilíngues são diferentes de escolas comuns com a presença de intérpretes de Libras. Conseguimos que este entendimento ficasse explícito no texto aprovado na Câmara dos Deputados, o qual diz:

4.6) garantir a oferta de educação bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS como primeira língua e na modalidade escrita da Língua Portuguesa como segunda língua, aos alunos surdos e com deficiência auditiva de 0 (zero) a

17 (dezessete) anos, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos termos do art. 22 do Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, e dos arts. 24 e 30 da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como a adoção do Sistema Braille de leitura para cegos e surdocegos.

No entanto, agora o MEC quer que se aprove, SEM CONSENSO CONOSCO, OS SURDOS, por meio do Relatório do senador Vital do Rego, um texto que diz:

4.6) garantir a oferta de educação bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS como primeira língua e na modalidade escrita da Língua Portuguesa como segunda língua, aos alunos surdos e com deficiência auditiva de 0 (zero) a 17 (dezessete) anos, em escolas e classes bilíngues inclusivas, nos termos do art. 22 do Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, e dos arts. 24 e 30 da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como a adoção do Sistema Braille de leitura para cegos e surdocegos.

Ora, por meio desta redação sem consenso, o MEC quer declarar que escolas e classes bilíngues são sinônimo de escolas comuns, contando, apenas com a presença de intérpretes  de Libras. AFIRMAMOS QUE QUEREM ESMAECER A NOSSA CONSQUISTA E QUEREM IR CONTRA O QUE ESTABELECE NO DECRETO 5625/2005: QUE ESCOLAS BILÍNGUES SÃO UMA COISA E ESCOLAS COMUNS DA REDE REGULAR DE ENSINO SÃO OUTRA COISA (Cf. Artigo 22-II). NÓS, SURDOS, PRECISAMOS DE NOSSAS ESCOLAS E CLASSES BILÍNGUES! CONCLAMAMOS A QUE OS EDUCADORES E A SOCIEDADE NOS  AJUDEM

A  DEFENDER  O  DIREITO  QUE  TEMOS  DE  ADQUIRIR   A  NOSSA  LÍNGUA  EM UM AMBIENTE LINGUISTICAMENTE FAVORÁVEL – o que uma escola comum nunca poderá propiciar.

O MEC desconsidera que, em uma escola bilíngue para surdos, as aulas devam ser ministradas diretamente em LIBRAS, com metodologias específicas. Vejamos os três espaços educacionais:

  • escolas bilíngues (onde a língua de instrução é a Libras e a Língua Portuguesa é ensinada como segunda língua, mediada pela língua de instrução, Libras; essas escolas se instalam em espaços arquitetônicos próprios e nelas devem atuar professores bilíngues, sem mediação por intérpretes e sem a utilização do português sinalizado. Os alunos não precisam estudar no contraturno em classes de Atendimento Educacional Especializado – AEE, dado que a forma de ensino é adequada e não demanda  atendimento compensatório);
  • as classes bilíngues (que podem ocorrer nos municípios em que a quantidade de surdos não justificar a criação de uma escola bilíngue específica para surdos). Podem existir na mesma edificação de uma escola inclusiva;
  • as escolas inclusivas, onde o português oral é a língua de instrução, algumas vezes mediada por intérpretes, o aluno surdo tem que estudar dois períodos, participando do Atendimento Educacional Especializado (AEE) no contraturno e, são matriculados duas vezes (dupla matrícula).

A proposta da Feneis, diferenciando estes três distintos espaços educacionais, foi aprovada, em dezembro, na Conferência Nacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, realizada pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República. Mesmo assim, devido ao forte lobby da SECADI/MEC, nos bastidores do Senado e na Comissão de Assuntos Econômicos, foram alteradas as proposições da Meta 4, especialmente a estratégia 4.6, sem antes consultar as entidades representativas dos surdos, ignorando a mobilização nacional, ou seja, modificando o texto à revelia do que demanda o Movimento Surdo em Favor da Educação e da Cultura Surda, aderindo à proposta governista. De que adiantam as conferências, se as propostas aprovadas nesses espaços democráticos  de participação não são levadas pelo próprio governo que as propõe?

Histórico

Depois de dezenas de manifestações dos surdos pelo país em 2011 e 2012, o texto  final aprovado na Câmara dos Deputados levou em consideração a demanda dos surdos, incluindo a coexistência de escolas bilíngues, classes bilíngues e escolas inclusivas. No texto do Senador Vital Rêgo, a diferenciação entre escola bilíngue, classe bilíngue e escola inclusiva se desfez, o que significa dizer que qualquer escola poderá ter a adjetivação de “bilíngue”, apenas pelo fato de ter intérpretes de Libras e falantes de português e de Libras no mesmo espaço. Contudo, estas não serão, de fato, escolas bilíngues! Não serão escolas diferenciadas que definam políticas linguísticas, também necessariamente diferenciadas, para surdos (cuja língua de instrução deve ser diretamente a Libras) e deficientes auditivos.

O Movimento Surdo em favor da Educação e Cultura Surda está alerta e tem reagido contra o fechamento das escolas bilíngues específicas para surdos, que vem ocorrendo desde 2004. Em 2011, o movimento protocolou uma carta-denúncia nos Ministérios Públicos Federais em todos os estados brasileiros, denunciando a situação da educação dos surdos no país.

A atual Política de Educação Inclusiva do MEC tem incentivado os gestores estaduais e municipais da educação a aderirem à dupla matrícula, que agrega uma transferência  de recurso a mais às secretarias. Esta ação, mais lucrativa para o município e estado, é péssima para os estudantes surdos, por perderem o direito de terem preservados os espaços linguísticos e culturais de suas comunidades (escolas específicas e bilíngues). Tal manejo é um atentando à violação dos Direitos Humanos garantidos pela Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 24, § 2, letras “b” e “c” e art. 30, § 4 30). A verba destinada à dupla matrícula deve ser canalizada para a educação integral nas escolas bilíngues.

O resultado dessas ações inclusivistas é uma drástica e violenta evasão escolar de alunos surdos. Dados do INEP revelam que entre 2005 e 2008 houve uma queda de 15.216 matrículas de alunos surdos na educação básica como um todo. Isso acontece num período  em que há uma ênfase na imposição de um modelo único pelo MEC, que gera evasão escolar, já que os alunos não conseguem acompanhar as aulas, além da exclusão social.

Por que escolas bilíngues para surdos?

Em pesquisa realizada com 9200 alunos surdos em todo o país, o pesquisador Dr. Fernando Capovilla, da Universidade de São Paulo, demonstrou que surdos aprendem mais e melhor nas escolas bilíngues, onde o ensino é todo ministrado diretamente em língua de sinais e o português escrito é ensinado como segunda língua. Os surdos a adquirem de forma natural por meio do sentido da visão, assim como os ouvintes aprendem as línguas orais por meio da audição. A aquisição natural de uma língua leva os surdos a desenvolverem, além das habilidades linguísticas, a comunicação e a compreensão do mundo nos mesmos estágios que uma criança ouvinte. Entretanto, os surdos precisam de ambiente linguístico favorável, ou seja, é preciso estar em contato intenso com a sua própria língua desde a mais tenra idade.

Relembramos o que garante a nossa Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada no Brasil com status de Emenda Constitucional pelo Decreto 6.949/2009 (com base no Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, e conforme o que prevê o § 3º do art. 5º da Constituição Federal):

Na elaboração e implementação de legislação e políticas para executar a presente Convenção e em outros processos de tomada de decisão relativos às pessoas com deficiência, os Estados Partes deverão estreitamente consultar e ativamente envolver pessoas com deficiência, inclusive crianças com deficiência, por intermédio de suas organizações representativas.  (Art. 4, inciso 3).

Enfim, demonstramos no quadro anexo a esta nota, a evolução das alterações da estratégia 4.6 da Meta 4 do PNE, que trata da educação de surdos, para demonstrar os jogos perversos de manipulação das palavras em textos que traduzem as disputas no sentido de conceituar erroneamente a nossa educação bilíngue. Afirmamos: há muito tempo não tem havido consenso entre a Feneis e o MEC quando se refere a Políticas Educacionais  de Surdos no País. Exigimos a imediata volta da redação da estratégia 4.6 concebida na Câmara dos Deputados, em junho de 2012 e que segue apresentada na célula sombreada de cinza

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